Tarja Preta entrevista: Adrianna Alberti

 


No dia 26 de março, as autoras Adrianna Alberti, Diana Pilatti, Joseane Francisco e Tânia Souza, realizam um lançamento coletivo na Biblioteca Pública Estadual Isaias Paim, em parceria com a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. Os livros fazem parte da III Coleção de livros de boldo do Mulherio das Letras, organizada pela Editora Popular Venas Abiertas. 

A equipe Tarja Preta entrevistou as quatro autoras que contaram um pouco sobre suas trajetórias literárias e seus novos livros. 

Nossa primeira convidada é Adrianna Alberti, nascida em 1987 em São Paulo já se sente filha adotiva de Campo Grande, onde mora desde 2002. Escritora, revisora, leitora crítica e doutoranda em Estudos de Linguagens UFMS, mestre e bacharel em Letras pela UEMS e bacharel em Psicologia pela UFMS. 

Em seu novo livro As Cores na Ponta da Língua, há mais nessas linhas do que apenas micronarrativas de pequenas cenas cotidianas, há memórias de que caíram das flores dos ipês e das estrelas do céu de Mato Grosso do Sul, há o álcool que percorre o sangue em jovens e iluminações preciosas de se estar no lugar certo. De certo que memórias também trazem angústias, medos e mortes simbólicas de alguns sonhos fugazes, mas há tanto de sinestesia nesse livro, há as cores de uma dança, os arrepios das imagens, há o calor no peito de uma tarde carinhosa e o vazio abraçado em conhecimentos antigos. Em As Cores na Ponta da Língua há, antes de qualquer coisa, o desejo de gravar em quadros em movimento, quase sonoros, cujas cores exigiram ser escritas.




1. Conte um pouco sobre você e sua trajetória profissional, professora, revisora e escritora.

Eu escrevo desde treze ou quatorze anos, foram pequenos versinhos, poemas, estrutura de histórias que nunca saíram do papel, passei a me dedicar à escrita com um objetivo maior aos 21 anos, mais ou menos, que foi quando comecei a publicar em algumas antologias e a escrever no gênero fantástico. Revisão de texto começou um pouco nessa época, ainda na faculdade quando revisava os trabalhos de colegas e transformei isso em fonte de renda, agora já fazem oito anos que faço revisão, principalmente acadêmica, mas a leitora/escritora em mim contribui muito para fazer a revisão de outros tipos de textos. Há dez anos sou pesquisadora de literatura fantástica, que também tento ao máximo divulgar, inclusive através de eventos que organizei em Campo Grande. 

Se eu pudesse descrever minha trajetória em resumo seria “definitivamente não planejado, muita coisa assumida por impulso, dando conta do que me responsabilizo agarrando pelas unhas, não conseguindo ficar parada por vício e ainda tentando seguir, seja lá para onde for”.


2. Por que escrever? O que torna a literatura importante para você?  

Eu comecei a escrever para lidar com alguns sentimentos que não sabia expressar, acho que aquilo que eu sinto ou penso e não tem espaço se transforma em literatura para mim. Através das palavras, organizo um pouco e consigo expressar coisas que é mais difícil de dizer. Eu insisto na literatura e ela é meu principal reforçador sobre fazer o que se gosta. Meu trabalho formal não é em nenhuma das áreas que eu formei academicamente, revisão é um trabalho que envolve um grande esforço mental, mas não envolve criatividade, mas a literatura, seja lendo, pesquisando, escrevendo, ela é meu reforço sobre continuar, assim como amigos e família, por exemplo.


5. Sobre a capa do livro, é possível perceber que a imagem representa um som ou gravação. Há um significado especial nesta imagem? De que maneira a capa complementa ou dá sentido ao interior do livro?

Eu queria uma capa minimalista e com o título, algo como um arco-íris na boca pareceria estranho no meu ponto de vista. Quando estava pensando sobre a capa, fui inspirada por um quadro que o rapper Min Yoongi fez em 2021 (um fundo azul e preto e uma transcrição de áudio em imagem em branco no centro), acabei fazendo uma versão minha dessa ideia, reproduzindo uma frase de ondas sonoras em imagem para colocar na capa. Música, dança e outras representações artísticas em movimento inspiram bastante as micronarrativas, então a ideia de algo sonoro como uma imagem me agradou muito. E o que é dito é simples, é o título livro e meu nome. 


6. É possível perceber diversos elementos do fantástico nas micronarrativas do livro “As cores na ponta da língua”. O que veio primeiro a escritora ou a pesquisadora do gênero fantástico?

A leitora veio primeiro, narrativas fantásticas sempre foram muito mais agradáveis para mim do que outros gêneros, às vezes, até mais do que poesia, que foi o gênero que eu comecei a ler quando adolescente, quase como uma viciada. Mas a escritora veio em seguida, eu só comecei a pesquisar literatura fantástica porque escrevia e lia muito na época e com as publicações que fiz em antologias conheci os autores nacionais do fantástico. Então, quando pude escolher minha primeira pesquisa livre, não tive outro tema a não ser o fantástico. Inclusive, foi o fantástico que me fez nunca usar profissionalmente o meu diploma em psicologia e mudar para a área de letras, graduação, mestrado e agora doutorado, e em todas as etapas eu pesquisei literatura fantástica.


7. O microconto “A senhora da palavra” chama a atenção pela violência e o silêncio. Qual a relevância deste tema para você?

Essa é uma pergunta que eu não esperava e fico surpresa pela interpretação. E “A senhora da palavra” tem uma história particular e peculiar. Eu escrevi “O dono do silêncio” e “A senhora da palavra” como partes de uma mesma ideia, na verdade, foram escritos como um, embora tenham sido divididos. E ambos dizem sobre a dificuldade de cultivar amor próprio e como, às vezes, precisamos de alguém de fora para ensinar isso e como é uma luta constante de manter esse sentimento. Esse tema é sensível, e provavelmente não só para mim, é difícil cultivar amor próprio quando a gente se cobra tanto, cria expectativas, tem muitos modelos sociais de beleza, sucesso e inteligência também e não nos vemos encaixar nesses parâmetros. Enquanto o dono do silêncio fala desses ensinamentos que temos na vida, vindos de outra pessoa, a senhora da palavra diz sobre como é necessário agir e fazer algo com o que foi aprendido. 


8. As protagonistas das suas narrativas são, em maioria, femininas? Por que narrar sob essa perspectiva? 

Eu acho natural escrever sob a perspectiva de uma protagonista ou narradora feminina, no caso do livro, eu ainda tentei ser mais neutra em algumas e tenho quase certeza que não consegui. Eu nunca tinha pensado nisso com cuidado, mas agora você me fez perceber que é raro eu escrever sob a perspectiva de um protagonista masculino. Algumas histórias minhas, que estão em processo de escrita, ainda tem protagonistas masculinos, mas sempre vejo meu narrador como uma mulher contando a história.


9. Há referências às paisagens de Campo Grande/MS em alguns contos do livro, há também referências à Umbanda. Os lugares por onde passou e as pessoas com as quais encontrou são matéria e inspiração recorrentes em seus textos? Em que momento separam-se as memórias da ficção?

Eu pensei e repensei sobre essa pergunta muitas vezes para conseguir responder. Com toda a certeza “Memórias de Ipê” e “Elas na Ciranda” são exclusivamente sobre memórias e experiências que tive. “Memórias” são vivências minhas em Mato Grosso do Sul, viagens, reações, lugares, pessoas. “Elas” são sobre e para algumas mulheres da minha vida, desde minhas avós, até amiga que não convivo mais, mas me marcaram de alguma forma.

Eu acho muito difícil separar minhas memórias da ficção e mesmo aquelas que parecem cem por cento ficcionais, nesse livro, remetem a algum pensamento, sentimento, alguma coisa mais marcante ou mesmo uma inspiração que realmente vivenciei. Acho que tanto “O Silêncio” quanto “As Cores” me denunciam muito nesse aspecto. 


10. Tem algum texto preferido no seu livro? Qual? (transcreva aqui para nós) E o que o torna tão especial?

Eu quase não consigo escolher um preferido, mesmo os mais tristes ou mais dramáticos, todos os textos de “Elas na Ciranda” moram muito no meu coração pelo valor sentimental que pude expressar e, tirando minhas avós, todas as mulheres ali puderam ler o que escrevi. Mas vou escolher um que realmente escrevi sobre o céu mais lindo que já vi na minha vida:


Um céu de desejos

A casinha era de madeira, onde se poderia ver vãos entre um cômodo e outro, pequena, colorida, tábuas rosas em um quarto, marrom dourado na cozinha. O quintal era terra batida, poeira, arbustos e ervas. O cheiro do pão a acordou, surpresa, esquecida naquele quinhão sul-mato-grossense. Durante o dia, toras e madeiras velhas foram reunidas na frente da varanda da entrada. O vinho sangue-de-boi, ralo, inesquecível. Os bancos eram duros, sem encosto, perfeitos. O fogo estalava, de hora em hora alguém o cutucava para não apagar. Acima um azul-escuro pontilhado de estrelas. Vez e outra uma estrela cadente se fazia presente. Faz um pedido, alguém dizia. Não houve melhor céu em sua memória.




Confira a biografia completa de Adrianna Alberti

Nascida em 1987 em São Paulo já se sente filha adotiva de Campo Grande, onde mora desde 2002. Escritora, revisora, leitora crítica e doutoranda em Estudos de Linguagens UFMS, mestre e bacharel em Letras pela UEMS e bacharel em Psicologia pela UFMS. 

Em 2021, lançou seu primeiro livro em ebook, O Silêncio na Ponta dos Dedos, reunindo poesias escritas desde os 14 anos até os dias atuais. Esse livro foi selecionado para o Prêmio Leia MS da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), através da Lei Aldir Blanc. Em 2021 ganhou o segundo lugar na 33ª Noite de Poesia da UBE-MS. Em 2022 lança As Cores na Ponta da Língua, pela Ed. Venas Abiertas, o livro reúne micronarrativas inspiradas pelas memórias de infância, as lembranças de Mato Grosso do Sul, as consequências da pandemia e, também, as relações com mulheres fortes e inspirações de música e dança. Em 2019 defendeu a dissertação de mestrado: “A Rainha do Ignoto de Emília Freitas: a personagem feminina como elemento da realidade na narrativa fantástica”, que rendeu o posfácio “A Paladina das Paladinas”, na edição de 2020, da obra A Rainha do Ignoto de Emília Freitas, publicada pela Editora Wish. 

Desde 2010 participa de antologias em livros e revistas com contos fantásticos em antologias das editoras Literata (2010), Andross (2010), Câmara Brasileira de Jovens Escritoras (CBJE) (2010, 2011), Draco (2012), Estranho (2013), Navrass (2013), publicações independentes como na obra Green Death – Ecoterrorismo Licantrópico, volume 1, publicação online de Alfer Medeiros (2013), na Revista Somnium n.107 (2013).  Com poetisa publicou em antologias da CBJE (2010, 2011), Luria (2021). 

Como acadêmica além de pesquisas na área da Literatura Fantástica, com publicação de artigos e participação de eventos, também já organizou duas edições do evento Expressões do Fantástico. A primeira, em 2019, com exposições literárias, cinematográficas e artísticas, tanto de Mato Grosso do Sul quanto de outras partes do Brasil. A segunda edição (totalmente online), em 2021, contou com bate-papos com pesquisadores e escritores de Mato Grosso do Sul, o evento ocorreu com o incentivo da Lei Aldir Blanc, disponibilizado pela FCMS e pode ser encontrado no canal Expressões do Fantástico no Youtube. 

Comentários

  1. Olha essa mulher, que maravilhosa 😍. Parabéns pela linda trajetória.

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  2. Seja bem-vinda a nossa casa. É muito bom ter você por aqui, Adrianna.

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