Anita Deak comenta "Uirapuru" romance de estreia de Febraro de Oliveira

 



Meus dentes, todos prontos, escrevendo com a boca tal coisa dentro em que só imagens falariam entre palavras, você me desejaria então como mãe minha, seria complexo com os meninos da rua nossa ou seriam meus desejos a luz em cada barracão nosso? Mãe minha, te escrevo porque na palavra sua me encontro. Não é um adeus, são fogos de artifício. Fomos, mãe minha, por engano, gente. 

Trecho de Uirapuru, romance de estreia de Febraro de Oliveira, página 63.


Anita Deak sobre Uirapuru:


A vertigem da palavra é o incêndio dessa obra. Em Uirapuru, lugar-experiência, o personagem Léo se faz e se refaz continuamente, sempre na borda, na fronteira, na entrelinha rarefeita de si, que Febraro de Oliveira constrói tão habilmente. 

Em busca de uma mãe, de um pai, dos amores presentes-ausentes do personagem, o autor convoca não apenas fatos – seria ridículo sentir esse livro apenas pelo enredo. Aqui, a construção da paisagem interna de Léo integra-se à dimensão transversa da palavra: ao som, ao ritmo, àquilo que vai além da simples representação. 

É a relação com o outro e com a linguagem que faz de Léo um corpo múltiplo a espraiar-se pelos cenários e pelos verbos, pelas tentativas, e também a espraiar-se no que lhe escapa, ainda que o personagem tente atar-se ao longo da narrativa. A palavra, no entanto, o convoca na direção contrária, na direção do fogo.  

Uirapuru é obra para ler e reler, percorrendo fundo as profundezas simbólicas dos vocábulos. No pulso-punho de Febraro, a narrativa ganha uma singularidade de estilo raramente vista em escritores tão jovens, sobretudo num romance de estreia. 


Anita Deak


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