Quatro microcontos de Elias Borges
BIZARRO
Levado às pressas para o hospital. Dentro do automóvel reclama quase num grito: tem um velho louco me seguindo! A filha para o carro, dirige-se ao retrovisor do carona e, o abaixa.
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EUTANÁSIA
Exausta pensou: se dou comida, ele expele, se dou água, ele urina...
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HORA EXTRA
Passo pela calçada e vejo uns meninos soltando pipa. Pergunto se usam cerol. Me mostram uma lata cheia de vidro moído. Diante da minha alegria começam a contar as peripécias de derrubarem pipas da meninada do bairro de baixo. Pergunto se não me venderiam aquele pó. "Ow tia, vai soltar pandorga?" Falo que é para meu sobrinho. Pago o que pedem. Chego no serviço pela segunda vez entusiasmada. A primeira vez foi quando me contrataram. Depois, me seguravam além do horário e nunca pagavam. E as camisas que me obrigavam a passar com goma, uma, duas, três vezes? E o maldito banheiro que precisava ficar branquinho nos rejuntes? A gorda aqui capricha no almoço do dia, apelido que me deram para que eu nunca repetisse o prato. Uma sopa de ervilhas como entrada. Com muito pó brilhante que vão achar ser tempero. No suco, então, mexo bastante. Hoje, vou fazer serão de propósito.
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O ENTERRO
Não se ouvia choro no velório. A criatura, tida como má, negava até água aos viandantes. Quarenta anos aproximadamente. Morrera na suposição dos poucos entendidos da aldeia, de um infarto fulminante. Suspeitava-se que escondesse uma gravidez. Nos minutos que precederam o fechamento do caixão, a filha mais jovem passou a mão pelo abdômen da mãe e percebeu a luta da criaturinha para se libertar. Não fez alarde. Estava ansiosa pelo sepultamento para que pudesse estrear seu lindo vestido preto.
Elias Borges
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